Dentro da noção ampla de texto e leitura, música também se lê
e se relaciona com outras linguagens de maneira muito especial e sensível. A música pertence a um universo mas cotidiano,
ao qual se tem um acesso mais direto. Literatura
e música se concebem como complementares ou cindidas de uma linguagem uma, porque
ambas são evocadas pela poesia pela prosa poética pela ópera ou pela canção. Dessa forma, uma poesia ou um texto poético pode
ser fonte de inspiração para a criação de uma música, bem como os músicos e compositores
são muitas vezes convidados a criar trilhas sonoras para textos literários e de
dramaturgia.
Normalmente, o acesso à poesia é um tanto restrito à vida escolar. Assim, quando se consegue trazer o universo da
música para a poesia, acaba-se por ligar a vida cotidiana do aluno ao texto poético,
seja ele erudito ou popular.
A música passa
a ser, então, uma ponte entre a literatura e o cotidiano. Como exemplo disso, podemos citar a comparação
entre o texto de uma poesia e o de uma música, que tematicamente podem se aproximar,
mas cujos significados são bastante diferenciados.
Vejamos os trechos da poesia “Dois e dois são
quatro”, de Ferreira Gullar; e da música “Como dois e dois”, de Caetano Veloso:
Dois e dois são quatro
(Ferreira Gular)
Como dois e dois são
quatro
Sei que a vida vale a
pena
Embora o pão seja caro
E a liberdade pequena
Como teus olhos são claros
E a tua pele morena
Como é azul o oceano
E a lagoa, serena.
[...]
Como dois e dois
(Caetano Veloso)
Quando você me ouvir
cantar
Venha não creia eu não
corro perigo
Digo não digo não ligo,
deixo no ar
Eu sigo apenas porque
eu gosto de cantar
Tudo vai mal, tudo
Tudo é igual quando
eu canto e sou mudo
Mas eu não minto não
minto
Estou longe e perto
Sinto alegrias
tristezas e brinco
Meu amor
Tudo em volta está
deserto tudo certo
Tudo certo como dois
e dois são cinco.
https://www.youtube.com/watch?v=yjhOVaG21oA
Viram? Este é apenas um dos exemplos de que a música
brasileira é pródiga em oferecer material aos formadores de leitores. Outros tantos exemplos devem existir já nos acervos
de professores por todo o nosso país...
Roland Barthes nos diz:
“Ouvir é um fenômeno fisiológico, escutar é um ato psicológico” (Barthes, 1990,
p.217). O que captamos pelos ouvidos são
signos, pois que escutamos da mesma maneira que lemos, isto é, mediante certos
códigos. Na música há dissonâncias,
pausas, assonâncias, intervalos, dominantes, repousos,
marchas, forças, tons, modos, clímax,
inquietações, paz, conflitos,
soluções. Esse é o código próprio
de sua linguagem. E é no arranjo desse código
que se dá a composição musical que, por sua vez, instiga sensações, criação de imagens
mentais e narrativas. A linguagem escrita
ou narrada do texto poético também evoca naquele que lê suas próprias sensações. Assim, quando música e texto (letras) formam uma
canção, essa canção pode sugerir a prática de uma interpretação do seu texto, assim como a compreensão do contexto de composição.
E mais: além da enorme
gama de estilos musicais disponíveis à apreciação, da música clássica e erudita,
passando pelo jazz, pelo pop e pela música contemporânea, a música popular brasileira
em si não só é fértil como exercício de leitura como é profícua para a formação
sociocultural dos alunos.
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