quinta-feira, 1 de novembro de 2018

A MÚSICA COMO TEXTO DE LEITURA


Dentro da noção ampla de texto e leitura, música também se lê e se relaciona com outras linguagens de maneira muito especial e sensível.  A música pertence a um universo mas cotidiano, ao qual se tem um acesso mais direto.  Literatura e música se concebem como complementares ou cindidas de uma linguagem uma, porque ambas são evocadas pela poesia pela prosa poética pela ópera ou pela canção.  Dessa forma, uma poesia ou um texto poético pode ser fonte de inspiração para a criação de uma música, bem como os músicos e compositores são muitas vezes convidados a criar trilhas sonoras para textos literários e de dramaturgia.

Normalmente, o acesso à poesia é um tanto restrito à vida escolar.  Assim, quando se consegue trazer o universo da música para a poesia, acaba-se por ligar a vida cotidiana do aluno ao texto poético, seja ele erudito ou popular.  

A música passa a ser, então, uma ponte entre a literatura e o cotidiano.  Como exemplo disso, podemos citar a comparação entre o texto de uma poesia e o de uma música, que tematicamente podem se aproximar, mas cujos significados são bastante diferenciados.  

Vejamos os trechos da poesia “Dois e dois são quatro”, de Ferreira Gullar; e da música “Como dois e dois”, de Caetano Veloso:

Dois e dois são quatro
(Ferreira Gular)

Como dois e dois são quatro
Sei que a vida vale a pena
Embora o pão seja caro
E a liberdade pequena

Como teus olhos são claros
E a tua pele morena
Como é azul o oceano
E a lagoa, serena.
[...]

Como dois e dois
(Caetano Veloso)

Quando você me ouvir cantar
Venha não creia eu não corro perigo
Digo não digo não ligo, deixo no ar
Eu sigo apenas porque eu gosto de cantar
Tudo vai mal, tudo
Tudo é igual quando eu canto e sou mudo
Mas eu não minto não minto
Estou longe e perto
Sinto alegrias tristezas e brinco
Meu amor
Tudo em volta está deserto tudo certo
Tudo certo como dois e dois são cinco.

https://www.youtube.com/watch?v=yjhOVaG21oA

Viram?  Este é apenas um dos exemplos de que a música brasileira é pródiga em oferecer material aos formadores de leitores.  Outros tantos exemplos devem existir já nos acervos de professores por todo o nosso país...

Roland Barthes nos diz: “Ouvir é um fenômeno fisiológico, escutar é um ato psicológico” (Barthes, 1990, p.217).  O que captamos pelos ouvidos são signos, pois que escutamos da mesma maneira que lemos, isto é, mediante certos códigos.  Na música há dissonâncias, pausas, assonâncias, intervalos,  dominantes,  repousos,  marchas,  forças,  tons,  modos,  clímax,  inquietações,  paz,  conflitos,  soluções.  Esse é o código próprio de sua linguagem.  E é no arranjo desse código que se dá a composição musical que, por sua vez, instiga sensações, criação de imagens mentais e narrativas.  A linguagem escrita ou narrada do texto poético também evoca naquele que lê suas próprias sensações.  Assim, quando música e texto (letras) formam uma canção, essa canção pode sugerir a prática de uma interpretação do seu texto,  assim como a compreensão do contexto de composição.

E mais: além da enorme gama de estilos musicais disponíveis à apreciação, da música clássica e erudita, passando pelo jazz, pelo pop e pela música contemporânea, a música popular brasileira em si não só é fértil como exercício de leitura como é profícua para a formação sociocultural dos alunos.

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